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Para que servem as reuniões de laboratório? – um retrato vegetal

Na sala, as cadeiras estão dispostas em círculo e cada pessoa que entra brinca com a nova arrumação. Mais parece uma reunião de um grupo de apoio psicológico do que o encontro semanal do grupo de Genómica de Plantas em Stress, GPlantS. Em geral, as cadeiras estão alinhadas e viradas para o écran onde se projectam as imagens do computador – fotografias, esquemas, gráficos, siglas ininteligíveis para quem não saiba de genética e de plantas. O grupo cresceu muito nos últimos anos, em recursos humanos e volume de trabalho, e tem de lidar com os limites, tal como uma família numerosa em espaço limitado.


“São as reuniões de que mais gosto, porque conseguimos tratar de assuntos fundamentais ao bom funcionamento do laboratório”, diz Mafalda Rodrigues, 30 anos, há cinco a trabalhar como bolseira de investigação neste grupo. Licenciou-se em Biologia e queria tanto estar num laboratório que se voluntariou para o grupo de uma das suas professoras mais marcantes, Margarida Oliveira: “Nem que fosse a lavar tubos de ensaio, eu queria era estar aqui”. A experiência não lhe toldou o entusiasmo nem a vontade de trabalhar neste sítio, tornou-se numa das mais versáteis e prestáveis investigadoras júnior do GPlantS. Não guarda as opiniões no bolso da bata, é das poucas cientistas mais novas que opina nas reuniões de laboratório.
 

No topo do metro e noventa de altura, um par de olhos verdes transparentes e serenos contrastam com o corpo robusto de Diego Almeida, 30 anos, estudante de doutoramento. Ao contrário de Mafalda, Diego costuma ser mais discreto nos encontros do grupo de investigação. “Não é que tenhamos vergonha de falar em público, mas sentimos dificuldade em contribuir para os trabalhos dos outros”, diz sobre si e os que, tal como ele, também opinam pouco.
 

As apresentações semanais são calendarizadas com meses de antecedência, e vão alternando exposições de trabalho feito, teses prestes a serem defendidas, embriões de projectos a submeter para financiamento, havendo de vez em quando espaço para mostrar e discutir artigos científicos relevantes, onde foram publicadas novas técnicas ou novas aplicações de interesse para o trabalho feito no grupo.
 

Antes da reunião, Mafalda e Diego estiveram nas estufas onde tiveram de ir recolher amostras de uma experiência a decorrer. As estufas estão no último piso do Instituto de Tecnologia Química e Biológica onde se encontram as casas das máquinas que fazem deste um prédio inteligente. Como era preciso espaço para fazer crescer plantas em qualquer altura do ano, independentemente da meteorologia e em condições controladas de temperatura, humidade e luz, foi encontrado um espacinho entre a saída do ventilador e a entrada do ar. Na varanda, a entrever-se a foz do Tejo, existe uma porta e lá dentro um spa vegetal, branco, zen, imaculado e silencioso a contrastar com a aparente revolução industrial do resto do piso. Mafalda identificou as amostras a retirar àquela hora, para a medir a resposta das plantas a condições extremas de desidratação. As plantas recolhidas irão ser analisadas para isolar e identificar as proteínas que se pensam serem responsáveis pela resistência ao stress de não terem água suficiente no seu meio ambiente.
 

Depois de arrumadas as amostras, Diego conta que os lab meetings são o único momento em que todos os elementos do grupo se reúnem. São úteis para praticar apresentações orais e a expressão em inglês, competências que os cientistas em formação têm de desenvolver e que são muito importantes para defender com sucesso os trabalhos que tomam a forma de tese. A Mafalda que o diga - nas vésperas de defender o seu mestrado em Biotecnologia reuniu-se com a sua orientadora por videoconferência, que mesmo à distância conseguiu esgotar toda a capacidade de retórica da candidata a mestre. “A Isabel Abreu [v. Retrato de família] é incrível, conseguiu fazer perguntas de todos os tipos, ver a tese por todos os lados e bombardear-me literalmente com questões. Quando cheguei à defesa estava muito bem preparada e tudo me pareceu mais simples do que imaginava. A Isabel foi mais dura do que qualquer outro membro do júri, e isso fez com eu conseguisse preparar com antecedência as respostas a todas as perguntas que me vieram a fazer – e a mais umas quantas que não fizeram”.
 

Segundo Tiago Lourenço, 34 anos, pós doc, “os lab meetings servem para sabermos o que andamos todos a fazer. Somos um grupo muito grande, e é fácil perdermos o rasto aos avanços do trabalho de cada um. Os encontros semanais de apresentação de resultados servem para discutirmos em conjunto as possibilidades de novas experiências ou abordagens para os problemas que vão surgindo, são muito úteis.” Conta que um dos métodos que vai ser agora explorado pelo aluno de mestrado que está a orientar veio de uma sugestão dada durante um desses encontros: “O João Cortes fez um ensaio onde não se percebia se a proteína que estamos a estudar se acumulava no citoplasma ou na membrana das células, e durante a discussão gerada pela sua apresentação surgiram várias ideias uma das quais foi repetir a experiência em raízes – e é isso que vamos fazer agora.”
 

Tiago licenciou-se em Biologia Vegetal Aplicada, veio parar ao GPlantS por ser um dos poucos sítios onde se fazia genómica em plantas, tema que lhe interessava para a tese de fim de curso. Tal como outros, já não voltou a sair do grupo – “Passei uns meses nas Filipinas, uns quantos nos Estados Unidos e uma estadia na Holanda, mas o grosso do meu trabalho tem sido aqui no ITQB. Gosto muito do trabalho que faço e tenho tido a sorte de ter sido sempre pago para o fazer”. Depois da licenciatura Tiago fez aqui o doutoramento, nasceu-lhe uma filha, continuou para o pós-doc, repetiu a paternidade, e continua a fazer investigação. “Ser pai não alterou a minha vida de investigador. Claro que não fico a trabalhar até às tantas, nem venho cá ao fim de semana a não ser em casos excepcionais – tudo coisas que enquanto era solteiro, ou antes de ter as miúdas, podia fazer sem problemas. Mas não é imprescindível, é uma questão de organização”. Quanto à líder do grupo, Tiago não poupa elogios “em muitas medidas trata-nos como se fôssemos seus filhos. Aos que correspondemos em termos de empenho, interesse e dedicação, faz de tudo para que possamos ter todas as condições para podermos trabalhar e ao mais alto nível. É muito generosa com o tempo e com as oportunidades que dá aos investigadores mais novos.”
 

Para Sónia Negrão, 36 anos, pós-doc, a maior utilidade dos encontros regulares do grupo são para o melhoramento contínuo das capacidades de apresentação dos investigadores mais novos, que assim vão lidando com a ansiedade de estar perante uma audiência e ajuda a arrumar ideias sobre o trabalho feito até então. Para resolver encruzilhadas em que se encontre, Sónia sabe que para além de uma exaustiva pesquisa bibliográfica é-lhe indispensável discutir os problemas com outros investigadores, sejam os seus colegas do GPlantS ou dos outros laboratórios com quem colabora. “Trabalho regularmente com um grupo nas Filipinas e outro em Nova Iorque, é muito interessante ir trocando ideias e aprendendo as técnicas que se usam noutros sítios. Aliás, para o meu pós-doc trouxe para Portugal uma abordagem que ouvi num congresso e que acabou por nos dar resultados incríveis, que vão sair num artigo científico que enviei agora para publicação”.
 

Na altura em que os concursos da Fundação para a Ciência e Tecnologia estavam à porta foi altura de delinear projectos para se pedir financiamento, os aspirantes a cientistas têm uma vez por ano a oportunidade de obter bolsas para fazerem o doutoramento que não podem desperdiçar. Nuno Gonçalves é um deles, espera conseguir vir a fazer investigação sobre genes e proteínas do arroz que são influenciados em condições de stress. Aproveitou um encontro de laboratório para apresentar o que tinha escrito até à data e recolher opiniões para melhorar. Isabel Abreu, que será sua supervisora juntamente com Margarida Oliveira, explica-lhe a importância de clarificar bem a questão para a qual pretende procurar a resposta. Em ciência esse é o ponto de partida a partir do qual se levantam hipóteses e se delineiam as experiências mais adequadas para se tentar encontrar as soluções para os problemas. Não faz mal se as hipóteses se vierem a provar erradas, tranquiliza-o Isabel, é até muito comum que aconteça e é assim que se faz avançar o conhecimento - experimentando e não garantido resultados à partida. Ter resultados negativos não deve ser motivo de desânimo, saber o que não funciona e desenhar o mapa por onde não ir é tão importante como acertar na resposta chave.


Nelson Saibo, investigador sénior do grupo, lembra que está na altura de semear o arroz para o próximo ano. Tal como os pedidos de financiamento, há que pôr a semente certa na terra, dar-lhe as melhores condições de água, luz e terra e esperar que cresça.

 

RETRATO DE FAMÍLIA
No grupo de Genómica de Plantas em Stress trabalham actualmente 22 pessoas: a líder do grupo, Margarida Oliveira, dois investigadores, Nelson Saibo e Isabel Abreu, cinco investigadores em pós-doutoramento, Ana Paula Santos, Tiago Lourenço, Sónia Negrão, Ana Paula Farinha e Pedro Barros, seis estudantes de doutoramento, Tânia Serra, Liliana Ferreira, Diego Almeida, Cecília Pina, Inês Pires e André Cordeiro, dois estudantes de mestrado, João Cortes e João Fradique, cinco investigadores de projecto, Mafalda Rodrigues, Nuno Gonçalves, Alicja Górska, Helena Sapeta e Ana Margarida Rosa, e uma técnica de laboratório estagiária, Filipa Truta. Recebem ainda com regularidade investigadores visitantes de outras instituições.


Neste laboratório estão a contribuir para o avanço do conhecimento em plantas em 17 projectos de investigação em simultâneo, seis dos quais coordenados por alguém do GPLantS e participando nos restantes 11. Da ciência daqui resultante sairam já seis artigos em revistas internacionais este ano, aos quais se somam mais de 40 de anos anteriores.
 

Aqui estuda-se como é que o arroz, a amendoeira, o sobreiro, o milho, o cardo, o tomilho ou o pinheiro, bem como os top models vegetais Arabidopsis thaliana e Jatropha curcas, se conseguem (ou não) adaptar ao frio, calor, excesso de sal e falta de água – não apenas para saber mais sobre o motivo e o modo como o fazem, mas também para poder aplicar esse conhecimento à agricultura. Plantas mais bem adaptadas ao ambiente crescem melhor e dão de comer aos milhões que hão de vir a habitar o planeta de todos nós.

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