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2004-03-06
00:00:00 Ciência MICRORGANISMOS FASCINANTES |
Adoram os ambientes
que a maioria das criaturas considera insuportáveis. São os
extremófilos, microrganismos que prosperam em condições
extremas de temperatura, pressão, acidez e salinidade. Pelas
suas extraordinárias características - alguns processam o
enxofre - têm sido aproveitados, por exemplo, na indústria
farmacológica e alimentar ou no fabrico de detergentes.
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Se existir
vida em Marte, é provável que seja de tipo
extremófilo | A 'caça ao extremófilo', na perspectiva
das aplicações comerciais, ameaça porém tornar-se
incontrolável, o que motivou um alerta da Organização das
Nações Unidas por ocasião da Convenção sobre a Diversidade
Biológica, realizada em Kuala Lumpur, na Malásia.
Os
cientistas isolam as proteínas dos extremófilos e servem-se
delas com diversas finalidades. Uma descoberta promissora diz
respeito à glicoproteína, que impede os peixes do Pólo Sul de
congelar. Aplicá-la poderia alargar o prazo de validade da
comida congelada, aperfeiçoar cirurgias e transplantes, bem
como tornar plantas mais tolerantes a baixas
temperaturas.
Mas qual é, afinal, o 'segredo' dos
extremófilos? O que permite a alguns habitar regiões
vulcânicas ou fossas abissais submarinas, a temperaturas na
ordem dos 80 ou 100 graus centígrados, e a outros viver
perfeitamente abaixo de zero?
Quando foram
descobertos, há cerca de 30 anos, pensava-se que haveria algo
de muito especial na constituição deles.
"Mas não é
assim", explica ao CM Miguel Teixeira, investigador do Grupo
de Metalloproteínas e Bioenergética do Instituto de Tecnologia
Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa. "As
diferenças são mínimas. O que existe é um conjunto de
alterações muito pequenas na estrutura das proteínas e do
DNA", prossegue.
Para viverem em condições tão
adversas, os extremófilos recorrem a algumas estratégias. As
proteínas de alguns são estáveis a temperaturas muito
elevadas, o que fica a dever-se à existência de fortes
ligações entre as moléculas. Assim, há proteínas que só
começam a degradar-se a 134º.
Um processo ainda mais
surpreendente é o permitido pela girase reversa. A
temperaturas muito elevadas a dupla hélice de DNA tem
tendência a desenrolar-se, perdendo a sua actividade
biológica, mas alguns extremófilos, chamados hipertermófilos,
têm a tal enzima - a girase reversa - que é capaz de voltar a
enrolá-la. É inédito na Natureza.
COMPREENSÃO DA
VIDA
No laboratório do ITQB decorre uma experiência com
o "Acidianus ambivalus" - ambivalente porque cresce na
presença como na ausência de oxigénio, acídico porque
prolifera em ambientes de pH inferior a 1, ou seja, capazes de
queimar. O "Acidianus" produz ácido sulfúrico.
O
conhecimento destas criaturas "alarga imenso a nossa
compreensão acerca dos sistemas biológicos", sublinha Miguel
Teixeira, destacando o papel dos investigadores nacionais
neste campo: "O grupo da professora Helena Costa, da
Universidade de Coimbra, já isolou vários extremófilos nos
Açores", entre os quais o "Rhodothermus (porque é vermelho)
marinus (porque cresce na água do mar)", na Praia da Ribeira
Quente.
A especificidade dos extremófilos chama a
atenção para a diversidade biológica do mundo microscópico.
"Só conhecemos 2 por cento dos organismos que existem e
supomos que a maior parte dos restantes são microrganismos",
repara Miguel Teixeira, rematando, sem margem para dúvidas:
"Temos mais células de bactérias em nós do que células humanas
propriamente ditas."
OS PRIMEIROS E OS
ÚLTIMOS
No princípio da vida na Terra, quando as
temperaturas eram muito elevadas, devia haver por cá apenas
extremófilos, mais concretamente hipertermófilos, que vivem em
ambientes extremamente quentes.
“Os termófilos são,
provavelmente, os organismos mais próximos dos primitivos”,
sublinha Miguel Teixeira, investigador do Instituto de
Tecnologia Química e Biológica (ITQB).
Além disso,
quando se acumulam provas científicas sobre a existência de
água em Marte, não é de excluir que ali prospere outra
categoria de extremófilos – os psicrófilos, que se dão bem a
temperaturas muito baixas.
O alerta da ONU a propósito
da sobrexploração destes microrganismos, nomeadamente no Pólo
Sul, não preocupa excessivamente o investigador do ITQB. “Não
somos capazes de destruí-los”, observa, bem disposto.
Inquietante é a tentativa, em alguns países, como os
Estados Unidos, de fazer patente do microrganismo em si e não
da aplicação. “Isso é absurdo. Os extremófilos são património
biológico.”
ESTRANHOS SERES DIVIDEM-SE EM CINCO
CATEGORIAS
HIPERTERMÓFILOS
Colonizam nichos
onde as temperaturas sobem até 140º C, como fumarolas, fontes
termais, superficiais e
abissais.
PSICRÓFILOS
Vivem optimamente em
ambientes onde as temperaturas rondam os 0º
C.
HALÓFILOS
Colonizam ambientes de elevada
salinidade (até 30 por cento de sal), como, por exemplo, o Mar
Morto.
ACIDÓFILOS
Vivem em ambientes acídicos
(pH entre 0.1 e 4), nomeadamente em sulfataras e minas de
pirite.
ALCALÓFILOS
Preferem lagos salgados e
águas subterrâneas onde o pH é superior a 10.
APLICAÇÕES
HIPERTERMÓFILOS
Frutose
para adoçantes, branqueamento de papel, aminoácidos para
produção de alimentos e detergentes, engenharia genética.
PSICRÓFILOS
Produção de lacticínios,
detergentes,
fármacos.
ACIDÓFILOS
Dessulfurização do
carvão.
ALCALÓFILOS
Detergentes, estabilização
de substâncias voláteis.
HALÓFILOS
Corantes para
alimentos, fármacos. |
Isabel Ramos | |
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