14 de Maio de 2004  
 
 
2004-03-06 00:00:00
Ciência
MICRORGANISMOS FASCINANTES
Adoram os ambientes que a maioria das criaturas considera insuportáveis. São os extremófilos, microrganismos que prosperam em condições extremas de temperatura, pressão, acidez e salinidade. Pelas suas extraordinárias características - alguns processam o enxofre - têm sido aproveitados, por exemplo, na indústria farmacológica e alimentar ou no fabrico de detergentes.
FGHFJHGJ
Se existir vida em Marte, é provável que seja de tipo extremófilo
A 'caça ao extremófilo', na perspectiva das aplicações comerciais, ameaça porém tornar-se incontrolável, o que motivou um alerta da Organização das Nações Unidas por ocasião da Convenção sobre a Diversidade Biológica, realizada em Kuala Lumpur, na Malásia.

Os cientistas isolam as proteínas dos extremófilos e servem-se delas com diversas finalidades. Uma descoberta promissora diz respeito à glicoproteína, que impede os peixes do Pólo Sul de congelar. Aplicá-la poderia alargar o prazo de validade da comida congelada, aperfeiçoar cirurgias e transplantes, bem como tornar plantas mais tolerantes a baixas temperaturas.

Mas qual é, afinal, o 'segredo' dos extremófilos? O que permite a alguns habitar regiões vulcânicas ou fossas abissais submarinas, a temperaturas na ordem dos 80 ou 100 graus centígrados, e a outros viver perfeitamente abaixo de zero?

Quando foram descobertos, há cerca de 30 anos, pensava-se que haveria algo de muito especial na constituição deles.

"Mas não é assim", explica ao CM Miguel Teixeira, investigador do Grupo de Metalloproteínas e Bioenergética do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa. "As diferenças são mínimas. O que existe é um conjunto de alterações muito pequenas na estrutura das proteínas e do DNA", prossegue.

Para viverem em condições tão adversas, os extremófilos recorrem a algumas estratégias. As proteínas de alguns são estáveis a temperaturas muito elevadas, o que fica a dever-se à existência de fortes ligações entre as moléculas. Assim, há proteínas que só começam a degradar-se a 134º.

Um processo ainda mais surpreendente é o permitido pela girase reversa. A temperaturas muito elevadas a dupla hélice de DNA tem tendência a desenrolar-se, perdendo a sua actividade biológica, mas alguns extremófilos, chamados hipertermófilos, têm a tal enzima - a girase reversa - que é capaz de voltar a enrolá-la. É inédito na Natureza.

COMPREENSÃO DA VIDA

No laboratório do ITQB decorre uma experiência com o "Acidianus ambivalus" - ambivalente porque cresce na presença como na ausência de oxigénio, acídico porque prolifera em ambientes de pH inferior a 1, ou seja, capazes de queimar. O "Acidianus" produz ácido sulfúrico.

O conhecimento destas criaturas "alarga imenso a nossa compreensão acerca dos sistemas biológicos", sublinha Miguel Teixeira, destacando o papel dos investigadores nacionais neste campo: "O grupo da professora Helena Costa, da Universidade de Coimbra, já isolou vários extremófilos nos Açores", entre os quais o "Rhodothermus (porque é vermelho) marinus (porque cresce na água do mar)", na Praia da Ribeira Quente.

A especificidade dos extremófilos chama a atenção para a diversidade biológica do mundo microscópico. "Só conhecemos 2 por cento dos organismos que existem e supomos que a maior parte dos restantes são microrganismos", repara Miguel Teixeira, rematando, sem margem para dúvidas: "Temos mais células de bactérias em nós do que células humanas propriamente ditas."

OS PRIMEIROS E OS ÚLTIMOS

No princípio da vida na Terra, quando as temperaturas eram muito elevadas, devia haver por cá apenas extremófilos, mais concretamente hipertermófilos, que vivem em ambientes extremamente quentes.

“Os termófilos são, provavelmente, os organismos mais próximos dos primitivos”, sublinha Miguel Teixeira, investigador do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB).

Além disso, quando se acumulam provas científicas sobre a existência de água em Marte, não é de excluir que ali prospere outra categoria de extremófilos – os psicrófilos, que se dão bem a temperaturas muito baixas.

O alerta da ONU a propósito da sobrexploração destes microrganismos, nomeadamente no Pólo Sul, não preocupa excessivamente o investigador do ITQB. “Não somos capazes de destruí-los”, observa, bem disposto.

Inquietante é a tentativa, em alguns países, como os Estados Unidos, de fazer patente do microrganismo em si e não da aplicação. “Isso é absurdo. Os extremófilos são património biológico.”

ESTRANHOS SERES DIVIDEM-SE EM CINCO CATEGORIAS

HIPERTERMÓFILOS

Colonizam nichos onde as temperaturas sobem até 140º C, como fumarolas, fontes termais, superficiais e abissais.

PSICRÓFILOS

Vivem optimamente em ambientes onde as temperaturas rondam os 0º C.

HALÓFILOS

Colonizam ambientes de elevada salinidade (até 30 por cento de sal), como, por exemplo, o Mar Morto.

ACIDÓFILOS

Vivem em ambientes acídicos (pH entre 0.1 e 4), nomeadamente em sulfataras e minas de pirite.

ALCALÓFILOS

Preferem lagos salgados e águas subterrâneas onde o pH é superior a 10.

APLICAÇÕES

HIPERTERMÓFILOS

Frutose para adoçantes, branqueamento de papel, aminoácidos para produção de alimentos e detergentes, engenharia genética.

PSICRÓFILOS

Produção de lacticínios, detergentes, fármacos.

ACIDÓFILOS

Dessulfurização do carvão.

ALCALÓFILOS

Detergentes, estabilização de substâncias voláteis.

HALÓFILOS

Corantes para alimentos, fármacos.
Isabel Ramos