Ciência

Diário de Notícias, 23 Abril 2003

Investigadores Portugueses revelam face oculta da proteína

Resultado de trabalho desenvolvido desde 1998 por um grupo do ITQB, em Oeiras, publicado este mês na 'Nature Structural Biology'

•SIMETRIAS. A estrutura da ferritina (proteína que armazena o ferro) agora revelada. A natureza tem destas coisas

Parece a primeira vista um quadro saído de uma galeria de arte moderna. A imagem, toda geométrica e harmoniosa, transmite uma sensação de sentido íntimo preciso. E talvez seja isso mesmo. Esta (como a fotografia mostra) é face a três dimensões, pela primeira vez reve- lada, da estrutura de uma proteína responsável pelo armazena- mento do ferro no interior de uma célula bacteriana. É também o resultado de urn trabalho de cinco anos de urn grupo de investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), em Oeiras, publicado na edição deste mes da Nature Structural Bio­ logy.

As proteínas que armazenam o ferro, as chamadas ferritinas, «são vitais e omnipresentes nos sistemas vivos», explica Miguel Teixeira, coordenador do grupo de bioquímca e espectroscopia de metaloproteínas do ITQB e um dos co-autotes do artigo.

A revelação, pelos investiga dores Portugueses, da estrutura da ferritina de um microorganismo chamado Desulfovibrio de- sulfuricans, uma bactéria anaeró bia (vive na ausência de oxigénio), abre novas portas à investigação em áreas tão importantes como a saúde ou a farmacologia. Sobretudo porque, além da estrutura da ferritina, o grupo de Oeiras conseguiu identificar também o mecanismo - e segui-lo passo a passo através do qual o ferro é incorporado pela própria proteína, onde ficará em armazém.

A novidade do trabalho é também essa. «Identificámos um no va caminho através do qual se desenrola este processo de armazenamento celular do ferro», diz Maria Arménia Carrondo, responsável pelo grupo de cristalografia de raios X do instituto de Oeiras e também co-autora (com outros nove investigadores) do artigo agora publicado.

O armazenamento do ferro em proteínas específicas pelos organismos vivos tern uma dupla função. Por um lado mantém disponível uma reserva daquele elemento essencial à vida. Por outro, evita a sua toxicidade para a própria célula, uma vez que o ferro lhe seria nocivo se se encontrasse completamente livre no seu interior, Tal como explicam os autores do artigo, o estudo desta proteína bacteriana, que em termos de propriedades é muito semelhante à ferritina humana, pode vir a ser extremamente útil no estudo de doenças humanas relacionadas com o metabolismo do ferro, como é o caso da anemia.

 

in DN, adaptado

 

MEMÓRIAS

Grupo de Oeiras repete façanha

Esta é a segunda vez que o grupo de Oeiras (agora com uma com posição um pouco difererte) publica um artigo na Nature Structural Biology. A primeira aconteceu em Novembro de 2000 e, nessa altura,os investigadores revelavam a estrutura de uma enzima presente nas bactérias redutoras de sulfato, que permite a estes microrganismos resistir à presença de oxigénio (que lhes é tóxico), utilizando-o a seu próprio favor. Esta descoberta, como os autores explicaram entao ao DN, «foi uma grande novidade em termos estuturais que, por si só, significou, na altura, um significativo avanço no âmbito da biologia.