Artigo
Revista Focus 26.XI.2000
Artigo
Diário Notícias 28.XI.2000
30
de Novembro de 2000
Usam
extremófilos para estudar a vida
Ciência e indústria tiram partido de
meios inóspitos
EDUARDA FERREIRA
O nome até soa um pouco
estranho, mas eles também o são: extremófilos. Vivem em ambientes
inóspitos, onde outros seres vivos não teriam hipótese de manter-se.
Mas as características desses micro-organismos já se revelaram úteis,
por exemplo, nas indústrias farmacológica, alimentar e de detergentes.
A investigação sobre os extremófilos é feita em diversos centros de
pesquisa científica da Europa e dos Estados Unidos. Por cá, também
temos uma equipa especializada, o Grupo de Metaloproteínas e Bioenergética
do Instituto de Tecnologia Química e Biológica.
Há extremófilos que têm
como habitat as regiões vulcânicas ou as fossas abissais submarinas,
a temperaturas na ordem dos 80 ou 100 graus centígrados, o máximo
até 140. Neste caso, quem trabalha com eles nos laboratórios designa-os
também por hipertermófilos, para os distinguir bem dos psicrófilos,
outros micro-organismos que se desenvolvem em condições extremas,
mas a baixas temperaturas. Nisto do conjunto dos extremófilos, a Natureza
tem também outras originalidades, como as dos acidófilos e dos alcalófilos,
adaptados a meios ácidos (entre pH 0,2 e 4), ou alcalinos (acima de
pH 9). Existem ainda os halófilos, que subsistem em meios com salininidade
muito elevada (até 30% de sal).
Segundo o investigador
Cláudio Gomes, elemento da equipa coordenada pelo professor Miguel
Teixeira que no ITQB pesquisa os extremófilos, o estudo tem interesse
para a compreensão de processos essenciais à sobrevivência dos seres
vivos, precisamente porque eles vivem em condições muito diferentes
das que definimos como normais. E estes micro-organismos serão também
os mais parecidos com as células primitivas que existiram na fase
primordial da Terra. Na base da árvore da vida estão colocados os
termófilos, os tais extremófilos das temperaturas muito elevadas,
e há cientistas a defender que eles evoluem mais lentamente que os
outros organismos. Desta forma, eles reterão mais características
da célula primitiva, o que lhes confere interesse acrescido de investigação.
Os cientistas isolam algumas
proteínas dos extremófilos e servem-se delas, nomeadamente na investigação
biomédica. Por exemplo, o processo de PCR (reacção em cadeia de polimerase),
que tem lugar a altas temperaturas, recorre à utilização de proteinas
isoladas de termófilos. Esta técnica permite obter um número muito
elevado de cópias de DNA, um campo que nos meios laboratoriais envolve
milhões de dólares. Esse processo de fazer cópias do DNA também tem
aplicação na química forense para desvendar a autoria de crimes.
Mas as aplicações industriais
das proteínas dos extremófilos já nos chegam ao ambiente doméstico
e de todos os dias. Muitas delas estão envolvidas no fabrico da frutose
de adoçantes, detergentes ( mais eficientes a altas/baixas temperaturas),
medicamentos antibióticos, corantes para alimentos e lacticínios.